A quem pertence o espaço público? Dia 29 de setembro de 2012, o Coletivo Onírico saiu às ruas da cidade de Campinas, nas imediações da Praça Carlos Gomes no centro, para promover sua 5° intervenção urbana.
Durante 50 minutos, o cruzamento da rua Irmã Serafina com a General Osório, foi redesenhado pelos performes oníricos, que transformavam esse meridiano ( a praça divide o bairro nobre Cambuí, do centro da cidade) em palco para suas provocações e afetações. Os conceitos/provocações “Higienização das Ruas” e “Lei que proíbe o artista de rua” foram transformados em imagens, ações e discursos.
Cada vez mais, a geografia do poder tem demarcado seu território e consolidado sua hegemonia em espaços públicos. Este processo, conhecido como gentrificação ou enobrecimento, da retirada das populações de baixa renda de determinadas regiões da cidade, na tentativa de melhoria de sua imagem. Na maioria das vezes, tais ações são realizadas de maneira violenta e coercitiva, ferindo os direitos humanos e legitimando o pensamento onde “para eliminar a pobreza é preciso eliminar o pobre”.
Nesse mesmo segmento, esta a adesão das prefeituras pela lei que proíbe o artista de rua, ou que burocratiza o processo de liberação (ou não) dos espaços para suas apresentações. A má compreensão da cultura e da arte, faz com que artistas de rua sejam confundidos como, pedintes, bandidos, entre outros. Na verdade, essa lei é mais um aparato do estado, do jogo do poder, para eliminar a marginalidade das ruas, esconder e isolar os problemas sociais e de lambuja, acabar com qualquer manifestação cultural artística, critica e libertária que perturbe ou questione o espaço urbano.
Nossa ação performática, foi dividida em 3 células:
Célula 01– Chegada das figuras oprimidas: Moça Pedinte (Lis Nasser) e Mágico do Sinal (Henrique Dutra). Ação: esmolar e encantar. Travar uma relação com os motoristas e passantes, conseguir foco para o desenvolvimento da ação porvir.
Célula 02– Entrada do Coro das Mulheres Ricas: ( Ana Paula Piunti, Dolores Assariti e Maria Clara Teixeira). Ação: horrorizar, chocar. Discursar sobre a pobreza, exigir que se limpe a urbe.
Célula 03– Limpeza da urbe: Intervenção dos Agentes de Limpeza ( Flávia Machado e Gustavo Schiezaro). Ação: Limpar os pobres e artistas de rua.
As intervenções urbanas como pesquisa de linguagem fazem parte da dinâmica dos processos criativos do Coletivo Onírico. Assim como nós, uma série de outros grupos/artistas e outros representantes da sociedade civil utilizam a rua não somente como lugar de passagem, mas também como plataforma para outras ações. Entretanto, os interesses do capital se sobrepõem a esses fatores e principalmente as questões humanitárias, conforme nos aponta Giorgetti:
Esse tipo de atitude é uma conseqüência direta do predomínio dos interesses privados sobre tudo o que é coletivo. Trata-se da negação dos sentimentos de solidariedade e de respeito. Na sua forma absoluta, constitui a eliminação total do outro e de tudo o que ele contém de diferente, pelo recurso à violência; é o não-reconhecimento da sua existência e de seus direitos. Defini-se, sobretudo, por seu alto grau de radicalismo: os adeptos desse tipo de comportamento querem a eliminação a qualquer custo daquele(s) que, transformando o espaço público em moradia, destrói (em) a harmonia natural da cidade, sujando, enfeando e contaminando tais espaços com todo tipo de doença. (GIORGETTI, 2006:85)
Ir e Vir
Vir
Ver
Não ver
Não querer ver
Ver
Ser
Não querer ser
Não querer esse ser!
Linha que corta o centro do bairro Nobre
Nobre
Enobrecimento do espaço público
Enobre(cimento)
Cimento no espaço público
Cinzento no espaço público
Sem cores do lenço do Mágico
Tudo cinza
Sem pedinte suja…
….cinzuda, cinzerela, cinderela…
Mas e ela? Cadê o espaço dela?
Tudo cinza.
Tudo
O Coletivo agradece a todos os nossos colaboradores performes já citados no texto, e ao Nê, colaborador autor das fotos aqui publicadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HOFFMANN, Friederike. Istanbul: Living Together Separatly.Urban Action 2007, College of Behavioral and Social Sciences, San Francisco State University, 2007
GIORGETTI, Camila. Moradores de rua: uma questão social? São Paulo. Editora PUC.2006.p.07-292.
Texto: Henrique Dutra
Fotos: Neander Heringer.
Este comentário foi removido pelo autor.
Ainda não consegui sistematizar em palavras o que eu vivi naquele dia junto com o Coletivo Onírico, mas em um livro do Tarkovski (Esculpir o Tempo) me deparei com uma belíssima explanação sobre a beleza do trabalho do artista:
“(…) o artista aparece não como um mero explorador da vida, mas como alguém que cria incalculáveis tesouros espirituais e aquela beleza especial que pertence apenas à poesia. Tal artista é capaz de perceber as características que regem a organização poética da existência. Capaz de ir além dos limites da lógica linear, para poder exprimir a verdade e a complexidade profundas das ligações imponderáveis e dos fenômenos ocultos da vida”(p.19)
Para mim, é de fundamental importância existirem pessoas como vocês capazes de transformar a realidade sólida, fria, linear em uma experiência bela e subjetiva.
Foi maravilhoso!
Dolores Assaritti